fonte: O Globo
Os cortes no Programa Saúde da Família, previstos para o ano que vem, vão ser maiores nas regiões mais pobres da cidade, contrariando o que a prefeitura havia prometido. É o que mostra um levantamento feito pela Comissão de Atenção Básica do Sindicato dos Médicos do Rio, que comparou o Projeto de Lei Orçamentária Anual, enviado há duas semanas à Câmara dos Vereadores, e a Lei Orçamentária Anual de 2018. Segundo o estudo, a atenção primária, que inclui os centros de saúde, perderá R$ 450 milhões. A prefeitura já havia anunciado corte de R$ 400 milhões só nas Clínicas da Família. A redução do orçamento para clínicas e centros na Zona Oeste, por exemplo, será superior a 30%.
A proposta defendida pela prefeitura é a de reduzir a cobertura do programa de 70% da população para 55%, priorizando os bairros com os moradores mais vulneráveis. Mas, além da Zona Oeste, a Região Central, que inclui bairros cercados de comunidades como Saúde, São Cristóvão, Caju e Mangueira, sofrerá uma redução acentuada nos gastos, segundo o projeto de orçamento. As unidades da Coordenadoria Geral de Atenção Primária da Área de Planejamento (A.P) 1 também terá um corte significativo: 37%. O orçamento disponível para sete Clínicas da Família, sete centros municipais e dois centros de saúde-escola (vinculados a universidades) da área deve cair de R$ 151 milhões para R$ 94,9 milhões, menos R$ 56,4 milhões.
— Essa decisão é o retorno a um modelo antigo de clínicas que atendem muitas pessoas. A atenção primária, que é a primeira porta, não estará mais aberta. Nos centros de saúde, as equipes só darão conta de atender quem tem consulta agendada. O efeito será a superlotação das emergências. Eles dizem que levaram em conta o Índice de Desenvolvimento Social, mas o corte vai afetar, sim, a população vulnerável. Vai afetar regiões que já têm poucos equipamentos de saúde — afirma Valeska Antunes, integrante da Comissão de Atenção Básica do Sindicato dos Médicos.
A crise de caixa da prefeitura tem deixado apreensivo quem precisa de atendimento na rede municipal. O professor Carlos Emílio Soares Dutra tem cuidado da saúde, desde o ano passado, na Clínica da Família que fica na Avenida Henrique Valadares, no Centro.
— O atendimento aqui é de referência. Faço exames e consultas. É uma pena se a qualidade desse posto cair. Vim buscar um remédio para conseguir dormir. Espero que não ocorram cortes de funcionários nem falte medicamento.
Nenhuma área da cidade será poupada da tesoura da prefeitura, mas os cortes não serão uniformes. A população da Zona Oeste, uma das regiões mais carentes da cidade, onde os hospitais públicos enfrentam uma grave crise, será bastante afetada. As 15 Clínicas da Família e os dez centros municipais da AP 5.3 — que reúne Santa Cruz, Paciência e bairros vizinhos — vão perder R$ 58 milhões no ano que vem, o que representa 32,5% do orçamento. Na mesma região, a AP 5.1 (Realengo e Bangu) terá o terceiro maior corte percentual: 30,5%, menos R$ 70 milhões para a manutenção de 22 unidades.
Prefeitura critica estudo
A queda na Zona Sul será de 15,1%. Serão menos R$ 16,4 milhões para a AP 2.1, que abrange Botafogo, Copacabana, Lagoa, Rocinha e adjacências. A prefeitura anunciou que, em duas semanas, anunciará como ficará o redimensionamento da rede básica de saúde. O secretário-chefe da Casa Civil, Paulo Messina, já admitiu que haverá demissão de funcionários, mas garantiu que nenhuma unidade será fechada. Clínicas da Família poderão ser transformadas em centro de saúde, cujas equipes médicas não vão às casas dos pacientes. De acordo com o Ministério da Saúde, com uma cobertura de 70% do Programa de Saúde da Família, 80% dos problemas de saúde da população são solucionados.
Em nota, a Secretaria da Casa Civil alega que o levantamento do Sindicato dos Médicos não deveria comparar a Lei Orçamentária de 2018 com o Projeto de Lei Orçamentária de 2019, porque a prefeitura teve que contingenciar este ano R$ 700 milhões da saúde. O valor é referente a emendas de vereadores que foram aprovadas, mas não havia receita para cumpri-las. De acordo com o texto, “todos os supostos cortes citados no estudo estão incorretos e simplesmente não vão ocorrer”.
Crise em hospitais pode piorar
Um dos argumentos da prefeitura para fazer cortes nas Clínicas da Família é usar a verba economizada na rede hospitalar. No entanto, a proposta orçamentária para o ano que vem prevê cortes até mesmo na maior emergência da cidade, a do Hospital Souza Aguiar, no Centro, que já atravessa sérias dificuldades. A prefeitura, que este ano prevê um gasto de R$ 272,9 milhões no hospital, orçou R$ 219,7 para 2019, menos R$ 53,2 milhões — uma queda de 19,5%. E não é a redução mais drástica. Em Acari, o Hospital Ronaldo Gazolla vai perder 41,5%: de R$ 176,5 milhões, em 2018, para R$ 103,1 milhões, no ano que vem.
Em Santa Cruz, o Hospital Pedro II deve perder 15% do seu orçamento, ou R$ 26,8 milhões. Outros hospitais vão receber mais recursos. É o caso do Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, que terá mais R$ 15,6 milhões, e o Salgado Filho, no Méier, com incremento previsto de R$ 31,4 milhões. Outra grande unidade, o Hospital Miguel Couto, também terá um aumento, porém, tímido, de orçamento: de R$ 173 milhões este ano para R$ 174 milhões em 2019. O resultado final, entre perdas e ganhos, é negativo.
— Há acréscimo em alguns hospitais, mas se somarmos tudo o resultado é negativo. O balanço geral é de menos R$ 77 milhões para hospitais — afirma Valeska Antunes, integrante da Comissão de Atenção Básica do Sindicato dos Médicos do Rio.